quinta-feira, 13 de agosto de 2009

GESTÃO E RELAÇÃO DE PODER

INTRODUÇÃO
A escola, pelo que observamos, nem sempre, ou diria, raramente, é pautada pelo princípio de que deva ser governada por interesses dos que estão envolvidos. Será que existe, na verdade, interesse em uma gestão democrática? Qual seria então o papel da democracia na escola?
Dentro de um contexto da rede pública, Observa-se pelo que tenho notado, que o gestor ou diretor escolar assume uma nova centralidade organizacional, sendo o que deve prestar contas pelos resultados educacionais conseguidos, transformando-se no principal responsável pela efetiva concretização de metas e objetivos, quase sempre centrais e hierarquicamente definidos. Neste sentido, esta concepção de gestão introduz uma nova nuance na configuração das relações de poder e autoridade nos sistemas educativos. Trata-se de uma autoridade cuja legitimidade advém agora da revalorização neoliberal do “direito a gerir” — direito este, por sua vez, apresentado como altamente convergente com a idéia neoconservadora que vê a gestão ao serviço de uma nova ordem social, política e econômica, com formas de avaliação que facilitam a comparação e o controle de resultados, embora no primeiro modelo se exija sempre a sua divulgação pública e no outro essa prestação de contas se faça diretamente às hierarquias de topo da administração.

AS RELAÇÕES DE PODER E SABER NO EIXO DAS RELAÇÕES COTIDIANAS DO ADMINISTRADOR ESCOLAR DE ESCOLA BÁSICA
Ao longo do processo de institucionalização da escola, as organizações escolares já foram classificadas de diversas maneiras. Alguns as viram como máquinas, outros como organismos, como cérebros e, atualmente, são vistas como dotadas de uma cultura.
Olhar para a escola numa perspectiva cultural ampla, é compreender que uma cultura externa interage com uma cultura interna. Por cultura externa entende-se as variáveis existentes no contexto da organização e que interferem na definição da identidade dessa mesma organização; enquanto que, a cultura interna abrange o conjunto de significados e quadros de referência vividos pelos membros da organização. Essa cultura interna exprime valores ( ou ideais sociais) e crenças que os membros da organização partilham ( Brunet apud Nóvoa, 1992 ). Assim, ela se torna um elemento unificador e diferenciador das práticas da organização, que comporta dimensões das várias subculturas de seus membros e de adaptação ao meio social em questão.
Sob essa perspectiva, pode-se entender a cultura não como um elemento de ligação, mas uma rede de movimentos, acrescentando, assim, aspectos dinâmicos sob uma perspectiva interacionista em detrimento da visão organicista ou funcionalista.
Assim, a cultura organizacional de uma escola envolve vários elementos, que condicionam a sua configuração interna, bem como, as interações que se estabelecem com a comunidade. Nesse sentido, Hedley Beare ( apud Nóvoa, 1992) propõe um esquema de divisão desses aspectos culturais em zona de invisibilidade e em zona de visibilidade. Segundo esse autor, zona de invisibilidade abrange as bases conceituais e os pressupostos invisíveis; enquanto que, zona de visibilidade seriam as manifestações verbais e conceituais, as manifestações visuais e simbólicas bem como as manifestações comportamentais.
Imbuídos nessa rede complexa de uma cultura externa vinculada a interna, em que ambas as culturas se instalam por influência de diversos fatores, o administrador se torna porta-voz de propostas, de intenções que, talvez, nunca se concretizem. A tranformação da sua realidade depende da reflexão crítica e o trabalho coletivo para fins específicos.
Qualquer grupo que se organiza precisa criar o seu discurso, a sua própria identidade e, posteriormente, usar o poder criado pelo discurso para modificar criticamente as práticas e o contexto onde atua. ( Castro apud Vargas, 1993 ).
No entanto, surge um avanço no processo de defesa e participação do professor em decisões importantes referentes aos rumos e perspectivas do processo educativo.
O professor como elemento participante de uma escola pública, tão sofrida e alvejada por decisões externas, alheias a sua vontade e impotente em muitos momentos, vê-se constituir na década de 80 o marco da defesa pela democratização da gestão escolar através de movimentos que pleiteavam a eleição de dirigentes dessas escolas. Contudo, para os órgãos oficiais, o sonho de ter uma escola dirigida por um professor, eleito pela comunidade escolar, significava aspirações subversivas para o modelo político-social autocrático da época.
Enquanto a democratização era uma aspiração, os diretores de escolas continuavam sendo escolhidos por Deputados, prefeitos de municípios ou por lideranças políticas do Estado. Havia, então, uma proposta autoritária para a direção de escola. A indicação dos diretores se fazia pela liderança política forte. No entanto, a escolha autoritária do administrador não foi suficiente para engessar a escola de elementos que resolvessem os problemas que se apresentavam no cenário educativo. Dessa forma, não havia nenhuma probabilidade para um diretor de escola ser escolhido pela sua competência, pela sua técnica, pela sua habilidade gerencial ou pela participação do grupo na escolha de um nome para representá-lo.
Daqueles tempos até os dias de hoje, esse cenário não mudou muito. Pode-se afirmar que ainda precisamos de muitas mudanças nas nossas escolas, porém, houve um avanço no espírito democrático no corpo social da escola. Cresce a visão do papel do administrador como elemento integrador e estimulador da ação pedagógica; bem como a sua responsabilidade no envolvimento com o processo de mudança tanto na escola como na educação em geral. (Vargas, 1993)
Essa compreensão da importância do papel do diretor de escola, culmina com a aprovação pelos órgãos públicos de que sua escolha fosse feita dentro da escola com participação dos membros da comunidade através de eleição direta.
No RS, com a lei 10.576/95, inicia-se o processo de gestão democrática do ensino público. Com a sua implantação, foi possível perceber lideranças, que estavam dispostos a se tornarem representantes para assumirem a direção da escola em que atuavam. Considerando-se , assim, um aceno de construção de participação; embora a lei, como tal, não garantisse a democracia plena como afirma Rodrigues:
...A democracia não é algo a que se chega em um determinado momento, pois ela é uma possibilidade. E por isto, então, que a eleição de diretores não é a democracia, é um momento de democracia, é a condição de possibilidade... (Rodrigues, 1997, P.17)
A democracia, referida pelo autor, não deve ser entendida como o momento de sua criação, mas como uma busca contínua, progressiva e participativa dos elementos envolvidos com a escola, que constróem o seu cotidiano na constância de sua afirmação igualitária. Nesse caso, o recuo de interesses particulares devem desaparecer em detrimento de um interesse comum à coletividade. É, portanto, o momento de possibilidade para a reflexão, para o saber ouvir na busca por soluções importantes para o conjunto.
Entendendo a democracia como uma possibilidade, podemos nos perguntar: de que forma o administrador consegue persuadir o grupo para um trabalho coletivo? Que estratégias e táticas utiliza, quando manifestações verbais, conceituais se instauram de forma contrária a sua visão administrativa?
Como a escola é um território intermediário no domínio educativo, ela não apenas reproduz as normas e os valores burocráticos, legalistas, padronizadores do macro sistema; mas também, um movimento dinâmico de relações no micro universo através do jogo dos atores sociais presentes na instituição.
As escolas constituem uma territorialidade espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos atores educativos internos e externos; por isso, a sua análise só tem verdadeiro sentido se conseguir mobilizar todas as dimensões pessoais, simbólicas e políticas da vida escolar, não reduzindo o pensamento e a ação educativa a perspectivas técnicas, de gestão ou de eficácia stricto sensu. (Nóvoa, 1992, p. 16)
No entanto, por existirem outras demandas envolvendo a vida do administrador escolar, o trabalho que ele realiza é regulado por atitudes diferentes das almejadas e ditas democráticas. Passa então, a estabelecer limites, determinar posturas e ocupar o espaço escolar na tentativa de legitimar o seu governo.
... uma escola é um agrupamento relativamente permanente de força de trabalho, de recursos humanos e materiais orientados para uma finalidade. chamemos-lhe uma orientação: um coletivo humano coordenado, orientado para uma finalidade, controlado e atravessado pelas questões de poder. ( Hutmacher, 1992, p.58 )
Certamente, nesse movimento do administrador no campo da macro para a micro estrutura organizacional e vice-versa; relações já foram pré-estabelecidas pelo desejo antecipado de participação na liderança do grupo, pelos compromissos assumidos com a comunidade escolar e consigo mesmo. Portanto, há um jogo de interesses e comprometimento com a coletividade do espaço escolar, que o desafia e o lança para um crescimento não só profissional como também pessoal.
E, pelo fato do administrador ser um elemento que se constitui dentro de seu próprio grupo, ele também exprime a cultura da sua escola. Nesse sentido, apresenta-se como um ser inacabado, que busca por aperfeiçoamento ao comprometer-se com o grupo para transformar o real da sua organização escolar.
Mais ainda, a inconclusão que se reconhece a si mesma, implica necessariamente a inserção do sujeito inacabado num permanente processo social de busca. Histórico-sócio-culturais, mulheres e homens nos tornamos seres em quem a curiosidade, ultrapassando os limites que lhe são peculiares no domínio vital, se torna fundante da produção de conhecimento. como a linguagem que anima a curiosidade e com ela se anima, é também conhecimento e não só expressão dele. (Freire, 1997, p. 61 )
Nesse sentido, precisa-se conhecer a vida acadêmica e profissional desse administrador que se envolve com o espaço escolar a ponto de lançar-se a uma função de liderança na escola. É importante conhecer os fatores que estavam presentes quando decidirem representar o seu grupo, tais como: "status", desejo, relações de poder, curiosidade, formação...,
Conhecer esses fatores relevantes no processo de decisão não é suficiente. É preciso, entender o administrador na sua prática administrativa, como ele age e reage nas situações de demandas, de habilidades próprias para lidar com situações difíceis. Conhecer o grupo envolvido no processo e saber se esse grupo é aberto a troca de idéias e apoia suas decisões. Ou, então, como administrador, precisa recorrer constantemente a práticas não tão democráticas para administrar ?
Na escola, o administrador também é um aprendente; pois, produz o seu saber baseado na experiência do dia-a-dia e como administrador se apropria de um saber que lhe é próprio para agir com o seu grupo. E, atrelado às habilidades que vão se organizando no vai e vem do discurso e da sua atuação, em que as relações de poder se instituem. Estabelecendo-se, assim, um processo complexo e sutil de relações cotidianas.
Nesse campo complexo das relações diárias, os saberes produzidos são os da experiência e da situação estabelecida em determinados momentos. Tudo isso envolve o habitus , ou seja, o que é adquirido na e pela prática real. Isso, permite ao administrador, enfrentar as limitações e os imponderáveis da profissão com maior segurança; desenvolvendo um estilo de administrar, o emprego de "macetes" da profissão, ou mesmo, marcando traços da personalidade profissional expressando, então, um saber-ser e um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano.(Tardif, Maurice & et alli. 1991)
A habilidade para lidar e relacionar-se com o grupo vai se produzindo/reproduzido nesta engrenagem administrativa e de relações . Há a produção/reprodução de saberes através do exercício do poder, expresso através de ação sobre o corpo social, pelo adestramento do gesto, pela regulação do comportamento, pela normalização do prazer. É através do jogo do discurso e da utilização da linguagem, enquanto instrumento para atingir os objetivos individuais de cada administrador que saberes são produzidos ao longo da trajetória da vida administrativa.
Então, conhecer os saberes que são produzidos pelo administrador num determinado grupo é estudar a escola numa dinâmica temporal de continuidade e descontinuidade nas relações cotidianas, é perceber a busca da maneira mais apropriada, que o diretor utiliza, para estabelecer formas de convivência social e de organização da instituição. São estruturas de saberes que se desenvolvem nas relações de poder e no discurso utilizado. É a construção de um conhecimento que vise o estabelecimento dos limites para o trabalho em conjunto. Esse conhecimento se dá na interlocução das ações, dos desafios, das disputas e até mesmo nas alianças estabelecidas dentro do ambiente escolar.
Assim é a escola. Rica em movimentos de avanços e retrocessos nas relações diárias; dinâmica nas relações humanas. Pedro Demo mencionou que a escola é um sistema complexo que pode dar origem à turbulência e à coerência simultaneamente, um sistema simples que pode gerar comportamento complexo ou um sistema complexo que pode gerar comportamento simples. (Demo, 1997, p. 62)
Como dito anteriormente, muito de que se estabelece nas relações diárias, são elementos previamente organizados e que fazem parte da cultura interna da escola. Cada membro da escola apresenta individualmente o seu histórico carregado de um saber próprio e que vai formar um território minado de movimentos no cotidiano.
Os indivíduos são o resultado de uma produção de massa. O indivíduo é serealizado, registrado, modelado. ( ... ) a subjetividade não é passível de totalização ou de centralização do indivíduo. Uma coisa é a individualização do corpo. Outra é a multiplicidade dos agenciamentos da subjetivação: a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro social. (Guattari, 1996, p.31 )
Para o autor, o modo pelo qual os indivíduos vivem essa singularidade circula nos conjuntos sociais de maneira diferente para cada um, pois a subjetividade é essencialmente social e assumida por indivíduos em suas existências particulares.
Portanto, conhecer o habitus ( a experiência – aquilo que é adquirido na e pela prática ) do cotidiano do administrador é fundamental para que se possa compreender a cultura da escola. Saber de que forma esse administrador se produz como profissional diretivo e como ele age e reage na posição de administrador, que habilidades pessoais e que estratégias ele utiliza nas inter-relações que se organizam. Nesse sentido, estudar o cotidiano do administrador é estar atento para as suas atitudes, suas estratégias e táticas, as quais manifestam saberes no discurso e nos exercícios das relações de poder que se formam(ram) no interior do espaço escolar.
... Sempre há uma pretensão do ergo de se afirmar numa continuidade e num poder. Mas a produção da fala, das imagens, da sensibilidade, da produção do desejo, não se cola absolutamente a essa reprodução do indivíduo. Essa produção é uma multiplicidade de agenciamentos sociais, a uma multiplicidade de processos de produção maquina, a mutações de universos de valor e de universos históricos. ( Guacari, 1996, p. 32 )
Percebe-se assim, que o poder faz parte da vida do indivíduo. O poder estará presente nas coisas, permeando-as, produzindo-as e induzindo ao prazer formando o saber e produzindo as formas discursivas. Para tanto, vale afirmar que não há saber neutro, todo o saber é político e tem sua gênese nas relações de poder; já que, saber e poder se implicam mutuamente, bem como todo o saber remete a novas formas de poder. Essa relação de poder e saber impõe a necessidade do poder se tornar competente.
Ao estar inserido na escola, o pesquisador deverá estar atento de que tudo isso não se dará de forma homogênea e localizada, mas diluída em atitudes e planos que não necessariamente possam ser negativos; mas, por formas sábias em que o administrador procurará encontrar para obter a confiabilidade e garantir o seu governo. Formam-se assim, saberes práticos. Não são aqueles da prática; mas sim, os que se integram à prática administrativa, porque o poder não existe , ele se dilui nas atitudes; por isso, não se consegue localizá-lo, o que se percebe são pontos móveis e transitórios e que se distribuem por toda a estrutura social. (Foucault , 1998 )
Rigorosamente falando, o poder não existe, existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. (Foucault, 1998, XIV)
Vimos então, que o poder é uma condição necessária para a construção de um saber; tendo a definição de que o poder não é universal, nem único, mas uma prática social; enquanto que, entre muitos domínios a se constituir, saber fica sendo o espaço em que o administrador tomará posição pala falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso, bem como as possibilidades de utilização e de apropriação que são oferecidas por esse discurso. Não há saber sem uma prática discursiva definida, assim como, toda a prática discursiva pode ser definida pelo saber que ela forma. ( Foucault, 1997 ). Esse saber vai se gerando, transformando-se até a produção de verdades através da habilidade pessoal que cada professor irá lançar mão, tornando-se mais ou menos competente no domínio do seu território. Segundo Foucault (1987) isso pode gerar uma eficácia produtiva, ou seja, uma riqueza estratégica positiva.
Neste sentido é que as relações de poder, aqui enfatizadas, atingem a realidade mais concreta dos indivíduos, os quais constituem o corpo social. Pela análise detalhada e minuciosa do cotidiano do administrador, consegue-se perceber a produção do que se faz valer com verdade e a sua projeção em relação ao corpo, tais como, gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e discursos.
... A verdade não existe fora do poder ou sem poder ...a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e os outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade, o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Foucault, 1998, P.12 )
Com base no exposto até aqui, a escola passa a ser uma organização maior com uma trama de relações sociais materiais que organizam a experiência cotidiana e pessoal de seus componentes. Logo, a escola é um cenário vivo de interações onde se intercambiam explícitas ou tacitamente idéias, valores e interesses diferentes enfrentados; é também, um cenário permanente de conflitos, como afirma Enguita ( apud Sacristán & Gómez, 1998 ).
Para Foucault (1987), a escola também é uma rede de conflitos, pois ela está inserida numa sociedade que:
...não é de espetáculos, mas de vigilância, sob a superfície das imagens, investem-se os corpos em profundidade; através da grande abstração da troca, se processa o treinamento minucioso e concreto das forças úteis; os circuitos da comunicação são os suportes de uma acumulação e centralização do saber; o jogo dos sinais define os pontos de apoio do poder¸ a totalidade do indivíduo não é amputada, reprimida, alterada por nossa ordem social, mas o indivíduo é cuidadosamente fabricado, segundo uma tática das forças e dos corpos. (...)não estamos nem na arquibancada nem no palco, mas na máquina panóptica, investidos por seus efeitos de poder que nós mesmos renovamos, pois somos suas engrenagens. (...) é aquele que descortina tudo com um só olhar, mas que nenhum detalhe, por ínfimo que seja, escapa jamais. (Foucault, 1987, p.178-9)
Portanto, o administrador inserido nesse contexto cultural abrangente está sendo intermediário entre diferentes instâncias, produz ao longo de sua gestão, um jogo em que o poder e o saber são dissimulados num regime panóptico de administração. O controle, a disciplina e o adestramento do corpo é feito sutilmente para que a engrenagem funcione; já que, poder e saber estão integrados em favor da construção de verdades. Nunca somos totalmente sem poder ou com poder, mesmo se tratando de posição hierárquica, como neste caso, numa escola pública.
Como o poder e saber estão mutuamente interligados, há conflitos visíveis e invisíveis que são apoiados em dispositivos de fazer calar e fazer falar. São práticas discursivas e práticas de poder, que produzem efeitos de sentido nas mentes e corpos, os quais são docilizados por uma ação política-pedagógica. (Foucault, 1998)
É por isso que, estudar o administrador, no seu espaço organizacional, é estar atento ao que "mascara" a realidade daquela escola. Apreender a maioria desses sentidos significa percorrer caminhos sinuosos para decifrar o que mostra/oculta através de uma investigação de linguagem, dos gestos, das relações de poder, das estratégias e táticas organizadas, nas atitudes tomadas em relação aos problemas reais vividos quotidianamente pelos indivíduos e ao que se produz enquanto grupo.
Assim, compreendo que, a ação do administrador escolar, na figura do diretor de escola, revela-se nos diferentes momentos de sua atuação considerando o espaço escolar como um lugar dotado de uma cultura. Esse espaço se mostra rico em ações no cotidiano, que se apresentam com movimentos de continuidade e descontinuidade, que são importante pela produção de significados, pela produção de relações de poder e saber, pelo conhecimento do que o grupo entende por democracia, pela análise do que está oculto ou que se mostra como verdade produzida pela figura do líder daquele contexto escolar.
PERSPECTIVAS DA GESTÃO ESCOLAR E IMPLICAÇÕES QUANTO A FORMAÇÃO DE SEUS GESTORES
Heloísa Lück

No quadro abaixo há que se situar alguns aspectos do movimento que altera o sentido e a concepção de educação, de escola e da relação escola/sociedade.
Administração Escolar Gestão Escolar
Escola - garantir formação competente de seus alunos para que se tornem cidadãos participativos da sociedade;
- responsabilidade do governo;
- entidade, ao mesmo tempo, autoritária e paternalista. - oferecer oportunidades para que seus alunos possam aprender para compreender a vida, a sociedade e a si mesmos;
- organização viva caracterizada por uma rede de relações de todos os elementos que nela atuam ou interferem.
Diretor Seu Papel - guardião e gerente de operações estabelecidas em órgãos centrais;
- responsável em repassar informações, controlar, supervisionar, "dirigir" o fazer escolar de acordo com as normas propostas pelo sistema de ensino. - gestor da dinâmica social;
- mobilizador, articulador da diversidade para dar-lhe consistência e unidade;
- responsável em promover transformações de relações de poder, de práticas e da organização escolar.
Bom Diretor - cumpridor pleno dessas obrigações, de modo a garantir que a escola não fuja ao estabelecido em âmbito central ou em hierarquia superior. - ter visão da escola inserida em sua comunidade, a médio, longo prazo, com horizontes largos;
- compartilhar do poder realizado pela tomada de decisões de forma coletiva
Equipe Técnico-Pedagógica, Funcionários, Pais e Alunos, Comunidade - hierarquizada;
- subordinados a uma administração por comando e controle, centrada na autoridade e distanciada da implementação das ações. - não apenas fazem parte do ambiente cultural, mas o formam e o constróem, pelo seu modo de agir;
- de sua interação depende a identidade da escola na comunidade .
Alguns Pressupostos
- tensões, conflitos, contradições eram eliminados ou abafados;
- descomprometimento de pessoas, em qualquer nível de ação, pelos resultados finais. - tensões, conflitos, contradições, incertezas são vistos como condições e oportunidades de crescimento e transformação;
- ambiente participativo criando uma visão de conjunto da escola onde a responsabilidade
Sociedade - considera a educação como responsabilidade exclusiva da escola. - não é mais indiferente ao que acontece na escola;
- exige que a escola seja competente;
- dispõe-se a contribuir.
SUTIL PODER DESMOBILIZADOR
Democracia refere-se à “forma de governo” ou a “governo da maioria”; então, torna-se claro, que as relações cotidianas no âmbito escolar, deveriam explicitar esta linha de ação, porém sabendo-se que toda gestão, pressupõe uma AÇÃO e a palavra ação é justamente o oposto da inércia, do comodismo, espera-se do gestor educacional atitudes compromissadas de construir, de fazer e o que observa-se são atitudes autoritárias, seguindo diria, uma linha horizontal, onde os princípios democráticos não se inserem; visto que a escola deve ser vista como um lugar privilegiado para a construção do conhecimento e como eixo base das relações humanas, viabilizando não só a produção de conhecimentos como também de atitudes necessárias à inserção neste novo mundo com exigências cada vez maiores de cidadãos participativos e criativos,
Seria para muitos, um exagero em considerar a gestão escolar na esfera pública, autoritária. Porém, partindo-se que o autoritarismo está ligado a práticas antidemocráticas e anti-sociais e estas, permeiam sutilmente a gestão das escolas públicas, creio sim, que este termo não estaria sendo utilizado aqui, de forma errada, a afrontar a administração pública.
A questão do controle, do poder aprisionado nas mãos de diretores e superiores ainda é prática constante. Administrar escolas é tarefa árdua, porém, dentro dos moldes do autoritarismo, legitima-se então, traumas antigos em que a sociedade se mostra ainda fragilizada, com medo, sem liberdade de se expressar e covardemente cedendo lugar às ideologias.
Percebe-se na gestão educacional, uma administração voltada com ações na verdade, reprodutoras de uma sociedade infelizmente alienada e passiva, ditando regras e não estabelecendo uma relação dialógica ideal com os envolvidos, estabelecendo meramente uma transmissão de ordens, alegando na maioria das vezes cumprirem determinações que lhes vem de cima não proporcionando assim, momentos para discussão..”... Todas as iniciativas de política educacional, apesar de sua aparente autonomia, têm um ponto em comum: o empenho em reduzir custos, encargos e investimentos públicos, buscando senão transferi-los e/ou dividi-los, com a iniciativa privada e organizações não governamentais”(ROSSI, 2001)
A participação é muitas vezes, limitada, controlada e puramente formal. A estrutura técnica se sobrepõe aos indivíduos envolvidos e o poder e a autoridade(leia-se: autoridade : como não prática social- sem visão crítica) se instalam de forma sutil , com obediência, dentro de uma perspectiva clássica de administração que repudia a participação, o compartilhar idéias, a liberdade para expressar-se , a deliberação de decisões e o respeito às iniciativas. A questão do controle ainda é muito forte e mesmo sabendo que o poder e a autoridade são necessários em muitos momentos dentro de várias organizações, intermediando e viabilizando ações criativas para melhora, observa-se ainda um controle rígido, um descompromisso e muito pouca participação da comunidade escolar como um todo (professores, pais, funcionários, lideranças de bairro) no processo da gestão escolar, causando assim automaticamente uma acomodação, em que as pessoas não se mobilizam para nada e ficam alheias, esperando sempre serem orientadas ou então aceitando passivamente tudo que venha das “autoridades competentes”, sem quer que seja , nenhum questionamento crítico construtivo.
As atuais discussões sobre gestão escolar têm como dimensão e enfoque de atuação: a mobilização, a organização e a articulação das condições materiais e humanas para garantir o avanço dos processos socioeducacionais, priorizando o conhecimento e as relações internas e externas da escola.
“...Sou um homem de causas .Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária.
Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa.
Horrível seria Ter ficado ao lado dos que venceram nessas batalhas.” (Darcy Ribeiro).
ESCOLA OU EMPRESA?
Nota-se com freqüência que esta suposta “gestão”, se mascara como sendo democrática e acaba que atendendo de forma a não priorizar princípios básicos democráticos, ocasionando o aumento da produtividade, a massificação do indivíduo, afastando não só o caráter da coletividade , como também o diálogo e o processo decisório.
Esta tendência, gerencialista, que adquire certas especificidades quando adotada em instituições e serviços do Estado tem sido designada de nova gestão pública. Gestão esta com requintes de modelo empresarial, onde a escola se coloca a serviço da empresa, com metas a cumprir, atendendo “clientela”, sendo o aluno na verdade, um mero número.
O uso da autoridade dentro de uma gestão educacional, deve ter o cuidado de não se estender a um modelo vertical, devendo essencialmente privilegiar as relações horizontais entre seus integrantes, mediando as discussões, as trocas de idéias, legitimando assim, verdadeiras ações democráticas.
Sabe-se o quanto somos facilmente manipulados, por vivermos em uma sociedade de consumo, porém não devemos esquecer que as organizações educacionais são melhores situadas que outras, para iniciar mudanças , começando no âmbito de suas relações internas, no trabalho educativo e logicamente na qualidade da gestão que viabiliza este trabalho.
Eliminar as desconfianças, incentivar a criatividade, a ousadia, a solidariedade e a boa convivência, são elementos básicos fundamentais ,que com certeza estruturam uma gestão democrática. É claro que estes princípios não se desvinculam da análise de um contexto político, social, ideológico e cultural num sentido amplo, mas mesmo assim, os principais atores deste espetáculo, são os educadores, peças chave na construção de uma gestão educacional digna e humanitária, com potencial de ação, motivadora e inovadora.
O PROJETO PEDAGÓGICO NA ESCOLA
O que presenciamos na atualidade, a emergência de um mundo que se edifica, se fortalece e se expande, via de regra, pela disputa de um mercado econômico internacionalizado e desterritorializado não mais restrito às fronteiras de cada país, de cada continente necessita ser confrontado.
Alguns questionamentos são apontados como propulsores dessas novas bases: o avanço e a produção de novas tecnologias; o advento da globalização da economia e das comunicações; o fortalecimento de moedas internacionais; a efetivação de uma sociedade do conhecimento e da informação; o investimento na qualidade da educação escolar e na formação do homem, transformando-se em prioridades nacionais/mundiais, cada vez mais valorizadas pelo discurso oficial com o intuito, segundo esses, de efetivar um projeto de retomada da estabilidade econômica.
Esta lógica gera expectativas em vários segmentos da sociedade pelas quais passam a exigir reformas no sistema de ensino, que por sua vez, impõem novos horizontes para os sistemas de formação de professores, isto porque o trabalhador do século XXI necessita ser formado para atender a exigência desta “nova” escola. Assim, se a sociedade capitalista tenta definir e ajustar com precisão quais conhecimentos, saberes, informações, habilidades e competências os trabalhadores deste século devem ser portadores para se inserirem no mundo do trabalho, cabe-nos perguntar, então, em que medida este ajuste tem afetado as escolas e as políticas públicas educacionais no Brasil?
A LDB, em seus artigos 14 e 15, apresenta as seguintes determinações:
Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I. participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II. participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (...)
Art. 15 – Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público.
Cabe aqui, nesta regulamentação o princípio da autonomia delegada, pois esta lei decreta a gestão democrática com seus princípios vagos, no sentido de que não estabelece diretrizes bem definidas para delinear a gestão democrática, apenas aponta o lógico, a participação de todos os envolvidos. Nesse ínterim, o caráter deliberativo da autonomia assume uma posição ainda articulada com o Estado.
Também se apresenta como fator à acomodação na autonomia delegada, “os limites e condicionantes históricos” produzidos na escola brasileira, que vem colocando o ensino como processo reprodutor de um saber parcelado que muito tem refletido nas relações de trabalho e na predominância da desvinculação do conhecimento do projeto global da educação e da sociedade. O professor dono dos saberes, o aluno receptivo ou objeto, as relações de poder estabelecidas, isso sem falar na homogeneidade enraizada nas práticas pedagógicas oculta pelo ideário dominante.
Cabe salientar que ao historicizar a escola, é possível compreender os processos das reformas, que em sua maioria, trazem implícito a característica de adaptar as mudanças que surgem na sociedade e naturalizar outras formas de poder e de racionalização técnica. Afinal, compreendê-la como fenômeno histórico requer descobrir como se fundaram as bases da atual estrutura, as ações regulamentadas politicamente, os limites definidos e as “verdades” nela tidas como determinantes.
Neste sentido, um dos aspectos mais relevantes apresentados pelo debate pedagógico, na atualidade, é a relação educacional com as estruturas sócio-produtivas da sociedade. Na história da humanidade tal relação determinou importantes aspectos do processo educativo. No período medieval e no mundo moderno, a despeito de suas diferenças históricas fatos semelhantes ocorreram, isto é, mudanças na dinâmica produtiva e no seu modus operandi facilitaram o processo de expansão do capital fazendo surgir transformações no trato da educação e da construção do saber.
Nos dias atuais, o processo de mudança epistemológica ainda sugere a necessidade de se refletir sobre o velho debate filosófico entre “aparência” e a “realidade”[1]. Para elucidar esse embate, Gadotti apresenta a concepção dialética como fundamento à Educação, enquanto filosofia da práxis. A constituição da prática de se pensar a prática na perspectiva de apreensão da totalidade, à medida que dialetizar a práxis é produzir a si mesmo, descobrindo limites e desmascarando o futuro, em movimento.
Desse modo, torna-se impossível pensar em debater sobre qualquer estrutura educativa sem antes não contextualizá-la no seu aspecto histórico e social, pois o processo de análise passa necessariamente pela maneira de como o homem em um dado contexto analisa sua realidade, seu mundo percebendo-se um ser produtor no seu tempo e no seu espaço, um transformador objetivo da sua realidade que racionalmente analisa, modifica.
Os aspectos levantados são obstáculos reais ao processo de construção da "consciência crítica" (no sentido de Paulo Freire, consciência não-dogmática, desmistificadora, efetivamente política), e sem ela as mudanças acontecem apenas num processo "de cima para baixo", anulando-se a essência da autonomia.
Dessa forma, nota-se que nesse modelo organizacional da gestão democrática escolar, ainda é possível perceber o distanciamento entre o pedagógico e o administrativo, sobretudo no que concerne à coordenação de um projeto pedagógico integrado.
Assim, de nada adianta uma Lei de Gestão Democrática do Ensino Público que "concede autonomia" pedagógica, administrativa e financeira às escolas, se diretor, professores, alunos e demais atores do processo desconhecem o significado político da autonomia, a qual não é dádiva, mas sim uma construção contínua, individual e coletiva.
Para pensar este conceito, VIEIRA (2002) indica a autonomia que não pode ser percebida como um objetivo por excelência, pois é ela que possibilitará ao sujeito "instituir", "criar suas próprias leis", deixando de viver sempre o "instituído" que lhe é estranho.
FREIRE (2001) cita: “... O mundo não é. O mundo está sendo. (...) Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. (...) caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade...”, portanto, ele retrata a razão emancipatória que possibilita a visão da totalidade.
Dessa maneira, o projeto pedagógico na autonomia construída deve permitir aos professores, alunos, coordenadores e diretores estabelecerem uma comunicação dialógica, para propiciar a criação de estruturas metodológicas mais flexíveis para reinventar sempre que for preciso. A confirmação desse contexto só poderá ser dada numa escola autônoma, onde as relações pedagógicas são humanizadas.
Faz-se necessário romper com as tendências fragmentadas e desarticuladas do modo de conceber o projeto para re-significar as suas práticas, para criar a identidade de cada escola particularmente. Tendo como ponto de partida, o planejamento.
Segundo PADILHA (2001):
“planejar, em sentido amplo, é um processo que visa a dar respostas a um problema, através do estabelecimento de fins e meios que apontem para a sua superação, para atingir objetivos antes previstos, pensando e prevendo necessariamente o futuro, mas sem desconsiderar as condições do presente e as experiências do passado, levando-se em conta os contextos e os pressupostos filosófico, cultural, econômico e político de quem planeja e de com quem se planeja”.
Partindo desse princípio, a escola precisa da participação da comunidade como usuária consciente deste serviço, não apenas para servir como instrumento de controle em suas dependências físicas. Trata-se de romper com os muros da escola.
E os professores devem reconhecer a importância de romper com as posições pedagógicas cartesianas para fazerem dialeticamente a relação necessária entre as disciplinas que compõem o currículo escolar e a realidade concreta da vivência do aluno, a partir da visão interdisciplinar do conhecimento, daí a importância do ato reflexivo no dinamismo da prática pedagógica através da reflexão conjunta do projeto educativo, em oposição à racionalidade técnica.
O desafio de um novo projeto pedagógico não deve levar em conta o consenso como ponto de partida, mas o conflito que favorece a diversidade numa trajetória construída coletivamente na tomada de decisões.
O resultado do processo do planejamento será influenciar e provocar transformações nas instâncias e nos níveis educacionais que, historicamente, têm ditado o como, o porque, o para que, o quando e o onde planejar. Num sentido mais específico, PADILHA (2001) afirma que, “pensar o planejamento educacional e, em particular, o planejamento visando ao projeto político-pedagógico da escola é, essencialmente, exercitar nossa capacidade de tomar decisões coletivamente”.
Para complementar, segundo GANDIN (2000), “... o planejamento deve alcançar não só que se façam bem as coisas que se fazem (chamaremos a isso de eficiência), mas que se façam as coisas que realmente importa fazer, porque são socialmente desejáveis (chamaremos a isso de eficácia)”.
Neste contexto, os profissionais da educação são desafiados constantemente pelo desconhecido, e a renovação de suas práticas educacionais torna-se uma questão de sobrevivência da escola. Porém esta renovação é complexa, primeiro porque perpassa todos os aspectos da prática pedagógica; segundo, porque exige abertura dos envolvidos no processo com a vontade política de mudar; e terceiro, porque os meios para concretizar as aspirações devem estar em consonância com o contexto histórico concreto.
Isso será possível pela compreensão da concepção crítico-reflexiva como pressuposto da autonomia a ser construída coletivamente e articulada com o universo “mais amplo” da escola. Como defende CORTELLA (2002), “um amanhã sobre o qual não possuímos certezas, mas que sabemos possibilidade”.
Como vimos, a efetivação de uma lógica de gestão democrática é sempre processual e, portanto, permanente vivência e aprendizado. é um processo eminentemente pedagógico, que envolve, entre outros, o conhecimento da legislação, a discussão e a participação nas modalidades de provimento ao cargo de dirigente escolar, a implantação e consolidação de mecanismos de participação, tais como conselho escolar.
Em uma unidade escolar, normalmente, o diretor assume o papel de coordenador das atividades gerais da escola e, nesse sentido, assume um conjunto de responsabilidades a serem partilhadas com os diferentes segmentos da escola. há alguns anos, o diretor centralizava em suas mãos a tomada de decisões e pouco partilhava com as comunidades local e escolar. a complexidade das tarefas de gestão e organização da escola, o avanço teórico-prático da educação e de sua gestão, a democratização das relações escolares e a rediscussão das formas de escolha dos diretores começam a interferir nessa lógica tradicional de gestão. isso quer dizer que a organização e a gestão da escola passam a ser assunto dos diferentes segmentos que compõem as comunidades local e escolar. nesse cenário, questões como avaliação educacional, planejamento escolar, calendário, projeto político-pedagógico, eleições, festas e muitas outras atividades e decisões contam com a participação cada vez maior dos pais, dos estudantes, dos professores, dos funcionários, entre outros.
Essas mudanças acarretam a necessidade de se pensar o processo de organização e os mecanismos de participação na escola e, ainda, de estruturar a gestão com a participação de outros membros além do diretor. nessa direção, algumas escolas passam a ter uma equipe gestora, contando com coordenadores, supervisores, vice-diretor(es), professores etc., que trabalham coletivamente com o diretor, buscando soluções e alternativas para melhorar o funcionamento das escolas.
Mas não é só isso. muitas escolas têm experimentado o fortalecimento do conselho escolar como espaço de decisão e deliberação das questões pedagógicas, administrativas, financeiras e políticas da escola. ou seja, essas escolas vêem o conselho escolar como um grande aliado na luta pelo fortalecimento da unidade escolar e pela democratização das relações escolares.
Esse processo de mudança, que amplia o estabelecimento de ações compartilhadas na escola e fortalece a forma de organização coletiva, com a estrutura de equipe gestora, e a criação e atuação dos conselhos escolares têm se mostrado um dos caminhos para se avançar na democratização da gestão escolar. nessa direção, definir claramente as atribuições e o papel político da equipe gestora e do conselho escolar é fundamental. de igual modo, é necessário destacar as atribuições comuns das duas instâncias e suas formas de articulação político-pedagógica.
É necessário que o gestor garanta a participação das comunidades interna e externa, a fim de que assumam o papel de co-responsáveis na construção de um projeto pedagógico que vise ensino de qualidade para a atual clientela da escola pública e para que isso aconteça é preciso preparar um novo diretor, libertando-o de suas marcas de autoritarismo redefinindo seu perfil, desenvolvendo características de coordenador, colaborador e de educador, para que consigamos implementar um processo de planejamento participativo de representantes dos segmentos da comunidade interna (diretor, vice-diretor, especialistas, professores, alunos e funcionários) e externa (pais, órgãos/instituições, sociedade civil organizada, etc.), com um conselho não só consultivo, como também deliberativo (que não se vê há tempos).
“A esses que sempre se beneficiaram do autoritarismo que gerou a exclusão, do centralismo que gerou a alienação, da falta de transparência que gerou a corrupção e da irresponsabilidade que produziu a ignorância; temos que dar um recado: [...] Não abriremos mão de construirmos o que já conquistamos e não nos acomodaremos ante o sonho de sermos os próprios obreiros e gestores do nosso mundo.”
(FILHO, José Iran Barbosa, professor da Rede Pública Estadual e Municipal de Aracaju e presidente do SINTESE).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CADERNO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO. Porto Alegre: SE-RGS, v.4, maio. 1997.
DEMO, Pedro. A nova LDB- Ranços e Avanços. 6.ed. Campinas: Papirus, 1998. 111p.
_______________. Conhecimento Moderno : Sobre a ética e intervenção do conhecimento. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. 317p.
FOUCAULT, Michel. A Arquelogia do Poder. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária , 1997. 239p.
_______________. Vigiar e Punir : Nascimento da Prisão.18. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. 262p.
_______________. Microfísica do Poder. 13.ed. Rio de Janeiro. Ed. Graal Ltda, 1998. 295p.
FREIRE, Paulo. O mundo e a palavra - Uma leitura crítica do Universo. Revista O ensino, 14.15.16.17, 1986. Pontevedra, Galiza.
GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Micropolítica : Cartografias do Desejo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. 327 p.
HUTMACHER, Walo. A escola em todos os seus estados: das políticas de sistemas às estratégias de estabelecimento. In: As organizações escolares em análise. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 43-74.
NÓVOA, António. Para uma análise das Instruções Escolares. In: As organizações escolares em análise. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 13-42.
RIO GRANDE DO SUL , lei nº 10.576 de 14 de novembro de 1995. Dispõe sobre a Gestão Democrática do Ensino Público e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio grande do Sul , n. 219, de 16/11/95.
SACRISTÁN, J. Gimeno & GÓMEZ, A Pérez. Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre : ARTMED, 1998.
TARDIF, Maurice & at alli. Os professores face ao saber : esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, , v.4, p.215-232, 1991.
VARGAS, Glaci de Oliveira P. O Cotidiano da Administradora Escolar. Campinas: SP: Papirus, 1993.
QUEIROZ, M. T. S. Desafios à educação num mundo globalizado. In: RBPAE v. 19, nº 1, jan/jun, 2003.
PARO, V. H. Gestão Democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 2001.
PEDROZA, R. L. S., ALMEIDA, S. F. C. In: psicologia e Psicanálise (Re)pensando o sujeito na Educação. DOXA –Revista paulista de psicologia e Educação,1994
SANTOS FILHO, J. C. dos. Democracia Institucional na escola: discussão teórica. In: Rev. de administração Educacional, vol.1 nº 2. Jan/jun/98, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1998.
BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 1996.
CORTELLA, Mario Sergio. A escola e o conhecimento – fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
GANDIN, Danilo. A Prática do Planejamento Participativo. Petrópolis: Vozes 2000.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 2001.
PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento dialógico: como construir o projeto político-pedagógico da escola. São Paulo: Cortez, 2001.
PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1997.
VIEIRA, Sofia Lérche (org) Gestão da escola: desafios a enfrentar. Rio de Janeiro, DP&A, 2002.

Nenhum comentário:

Postar um comentário